terça-feira, 9 de setembro de 2014

Tigras

Numa das vezes que saímos e o levamos junto.
O Tigrão é um caso sério. Ou foi. Depende muito do ponto de vista. De todos os gatos que eu tive, é o mais inconsequente. Mas inconsequente no sentido da falta de simancol mesmo. Sobe no colo de todas, t o d a s, t-o-d-a-s as pessoas que chegam, e ele não se importa se o indivíduo gosta de gato ou não. Ele simplesmente surpreende no pulo. Não consegue ver ninguém escrevendo sem que suba na mesa e lhe tome a caneta das mãos e faça dela um novo brinquedo. Uma mão balançando aleatoriamente, gesticulando, ou até mesmo movimentos que você julgue imperceptíveis, Tigão está lá, a espreita. 
Observando. 
Preparando um bote violento. 
Violento de amor. 
Violento de gratidão. 
A mão que ele ataca é alvejada por lambidas e pequenas mordidas carinhosas, seguidas de leves cabeçadas. 
Se o seu gato costuma dar cabeçadas em você, sinta-se um felizardo. Significa que você é a família dele. 
 Esse moço chegou numa caixa cheia de lama. Meu pai encontrou na rua. Junto com ele, haviam mais três irmãzinhas. O desamor de quem as jogou fora, fraturou a coluna de uma delas, que precisou ser eutanasiada. Ficaram três: Tigrão, que nem se chamava Tigrão, e duas meninas. Muito filhotes, foram para minha casa e passaram a ser alimentados na mamadeira. Lola adotou os três, mas não tinha leite para eles. 
O leite materno, assim como para os humanos, é essencial para os filhotes. Gatos bebês são absurdamente melindrosos, embora muito resistentes. Nas semanas que vieram, os três enfraqueceram, contraíram infecção intestinal e com apenas 40 dias de vida precisaram de uma injeção de antibióticos.
As horas seguintes ao remédio foram doloridas, para mim e para os três felinos. A reação do antibiótico junto a fraqueza deles, fez com que parassem de andar por horas. Dois deles normalizaram.
Uma morreu.
Achei que seguiria normalmente e que os outros dois seriam salvos.
Na manhã seguinte, só havia o Tigrão. A segunda irmãzinha morreu também.
Tigão estava absurdamente fraco, e resolveu não tomaria mais o leite na mamadeira. Nem no pires. Nem comeria ração molhada com leite. Nem papinha de gato. Nem os petiscos enlatados. Nem nada. Não comeria coisa alguma.
Pensei "Agora esse vai também. Sem comer, não dou uma semana pra ele". 
Foram sete dias cravados, contados sem comer.. Tigrão fez greve de fome, fez birra. Não comeu. E não morreu. E eu sempre insistindo para que ele comesse alguma coisa, em vão.
O bonito resolveu que beberia leite em pó. APENAS LEITE EM PÓ. A barbicha dele vivia cheia de leite seco, e pó no fucinho. Bebia leite o dia todo, o que resultou numa pança gigantesca.
Eu não saía a noite, para que ele não ficasse sozinho. Ia em lugares que pudesse levá-lo, junto com a mistura de leite em pó.
Tive um cuidado absurdo com ele. Embora tivesse esperança de que ele ficaria bem, sempre achava que ele não passaria da noite, tamanha era sua magreza.
Muito cedo para um gatinho comer carne, ainda mais nas condições de saúde dele, resolvi arriscar. Comeu que era uma beleza. 
Criei um gato no leite em pó e carne cozida. Por isso o nome de Tigrão.
Quem sabe da história dele, diz que ele é muito é esperto.
Eu digo resistente. Brinco que Tigrão só tem meia vida disponível para uso. Outro dia, despencou de uma altura de 2 metros e desmaiou. Entrei em pânico, e em questão de um minuto ou dois ele se levantou, desnorteado, e foi pro prato de ração. "Mas tá é bem esse gato".
Hoje é absurdamente carinhoso. Não mede esforços para demonstrar sua gratidão. E faz isso com todo mundo.
Acomodado, confia plenamente no nosso colo. Não importa como o seguramos, ele sabe que não o deixaremos cair, nem que se machuque.
Hoje é lindo, gordo, parrudo, um príncipe, como diz uma amiga. Dono de olhos azuis belíssimos.







Assim como o ex-sarnento do post anterior, Tigrão é a prova viva de que amor e cuidado salvam vidas, e elas sabem retribuir lindamente.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Lola, la la la la lola


Essa semana, um dos meus resgatinhos morreu. Foi-se. Deixou a Lola, mãe adotiva dele, e a mim aqui, olhando pro rosto da tristeza.
Lola é uma gata linda, de pelos finos e compridos.

Dona de pelos que fazem minha rinite ficar tinindo. Branca e preta, mais branca que preta, sempre brincamos em casa chamado-a de "zoiuda", por conta dos grandes olhos verdes, que vivem arregalados, atentos a cada detalhe da casa, cada movimentação dos humanos, dos outros gatos, ou dos cachorros. Isso por que é ela quem manda aqui. A dona do território. Na minha casa, os machos não tem vez e assim que atingem a idade, são castrados.
Lola veio de longe. Foi adotada em um canil municipal em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Minha cidade natal também. Viajou três dias cansativos de carro, junto com outra filhote também adotada lá, comigo, meus irmãos e pais. O caminho até o Acre foi longo. A noite, entrávamos escondidos nos hotéis onde não eram aceitos animais, com as pequenas. Durante o dia, parávamos várias vezes pra alimentá-las e deixar que andassem na terra pra fazer suas necessidades.
Chegamos aqui, e foram direto para o veterinário: a alimentação falha rendeu uma infecção intestinal, e o ar-condicionado do carro resultou em pneumonia.

Vinte dias internadas e entre mortos e feridos, salvaram-se todos e as meninas puderam vir pra casa. Cresceram saudáveis, bonitas e unidas.
Mas Lola é a protagonista dessa história.
Só teve uma ninhada biológica. Excelente mãe, mas muito teimosa. Na hora de parir, só queria se fosse na cama de um dos meus irmãos. Não diga que não tentei levá-la para outro lugar. Fiz tudo o que pude, até resultar numa fatalidade. Ela pulou a janela, na tentativa de voltar para o quarto, enquanto um dos gatinhos nascia. O primogênito bateu a cabeça e precisou ser eutanasiado dias depois, pois não acompanhou o crescimento dos irmãos e estava definhando. 
Sobraram quatro filhotes. Fiquei só com um deles, os outros, eu dei pra servir de alegria em outros lares.
Sempre que chega algum filhote novo em casa, Lola estranha. Se aproxima bem aos poucos, e quando vemos, ela já está carregando o bebê para cima e para baixo, dando miados longos e desesperados na tentativa de atrair "sua cria" para perto de si.
E foi o que aconteceu nas últimas semanas. Eram em cinco pequenos, de três ninhadas diferentes, que eu não sei de onde vieram, apenas vieram. Dois foram adotados, um menorzinho não resistiu a falta da mãe biológica e ficaram dois. A Diana e um machinho, peludo de olhos azuis feito o céu num dia limpo, que eu ainda não tinha escolhido nome. 
A bonita se apegou aos dois com afinco. Com amor. Com desespero. Ora, só faltou tê-los parido, já que até leite materno ela produziu para dar às crianças. Muito protetora e ciumenta, Lola vive em brigas desnecessárias por não permitir nenhuma aproximação dos outros gatos ou cachorros, que findou numa confusão bastante feia com o poodle da casa. Lola perdeu a briga e passou três dias internada na clínica veterinária.
Diana e o machinho de olhos cor do céu, ficaram sem a mamãe e eu percebi a mudança repentina no comportamento no mocinho. Todo o tempo cabisbaixo, emagreceu muito e de repente, e mal tinha forças para miar. Aposto da saudade da mamãe.
A gata voltou para casa num sábado de manhã, e os filhotes estavam eufóricos com a presença dela de novo, e ela com a dele, sempre chamando-os aonde ia.Mais tarde, Diana, uma pretinha e branca, com três meses de idade e uma pinta no canto da boca no maior estilo Marilyn Monroe, dormiu no meu colo, e Lola sumiu com o machinho. Pouco tempo depois, só ouvi a miadeira desesperada da Lola, entrando e saindo do quarto, vindo em mim e voltando. "O que foi, mozão? Diana tá aqui" e coloquei a princesa no chão, mas a mãe não se aquietou e voltou pro quarto.
A segui e ela entrou embaixo da cama. Me abaixei para olhar e lá estava um corpinho magro, gélido, imóvel. Lola sabia que seu filhote tinha ido e veio me chamar. 
Ela sabia que não era comum, e se refugiou em mim, me pediu ajuda.
Acho, sinceramente, que o gatinho morreu de saudades. De falta da Lola. Do amor dela. Das lambidas incessantes para limpá-lo. Do miado descontrolado chamando-o. E parece que ele só esperou que ela chegasse para olhar para ela mais uma vez, por que não conseguiria retornar de sua fraqueza. 
Peguei o gatinho, para enterrar. Não jogo no lixo ou qualquer outro lugar. Eu sempre enterro todos eles. 
Quando Lola começa a miar pela casa, alguém sempre se mobiliza a ir colocar a Diana perto dela. Não quero que a minha Lola sinta a tristeza, a falta do menorzinho. Lola é uma gata especial, cheia de amor. 
Seu nome me veio como uma epifania, enquanto ouvia The Kinks e well, that's the way that I want it to stay, and I always want it to be that way for my Lola.